Amor em tempos de Internet

Romance virtual vira pesadelo na vida real.

Eis aqui uma história de amor – ou de desamor – típica desse nosso século. Um romance que nasceu sob os auspícios da Internet. Frustrado com os rumos que seu casamento estava tomando, nosso personagem decide aventurar-se num site de relacionamentos. A opção lhe pareceu tentadora. Uma forma de aliviar a pressão e de encontrar alguém que lesse seus desabafos sem que para isso precisasse se expor de uma forma mais direta – afinal, é também para isso que existem computadores. O pseudônimo que ele escolheu nos dá uma pista de suas expectativas: “Prince of Joy”, ou Príncipe da Alegria.
Foi no ciberespaço que “Prince of Joy” conheceu “Sweety” “Docinho”. E-mail vai, e-mail vem, “Prince of Joy” e “Sweety” se apaixonaram. Mais do que isso. Acreditaram que haviam achado suas almas gêmeas. Ansiosos e esperançosos, os dois finalmente decidiram encontrar-se pessoalmente. O “Príncipe da Alegria” chega ao local do encontro e descobre que… Sua amada virtual, aquela que adotara o singelo apelido de “Docinho”, era, ninguém mais, ninguém menos, do que sua própria esposa!
A história aconteceu mesmo, na Bósnia, e por trás dos pseudônimos estão Adnan, de 32 anos, e sua esposa Sana, de 27. Até o fatídico encontro, nenhum dos dois sabia que “Prince of Joy” e “Sweety” eram na verdade, seus próprios cônjuges. O incidente – se é que podemos chamar assim – poderia dar ensejo a uma reconciliação. Por meio dos e-mails trocados às escondidas, eles tiveram a chance de abrir seus corações e de redescobrir seus vínculos. E se foram capazes de se apaixonarem novamente pela Internet, por que não poderiam fazê-lo na vida real?
Mas, para desalento dos românticos, não foi assim que a história acabou. “Príncipe” e “Docinho” ficaram furiosos quando descobriram as verdadeiras identidades de suas “almas gêmeas”. E o resultado disso é um amargo processo de divórcio, no qual um acusa ao outro de traição. “De repente, eu estava apaixonada, era maravilhoso, parecia que ambos estávamos amarrados no mesmo tipo de casamento infeliz. Depois, me senti tão traída”, desabafou Sana. Adnan não deixou por menos. “É difícil pensar que Sweetie, que escreveu coisas tão maravilhosas para mim, é na verdade a mesma mulher com quem me casei e que, por anos, não foi capaz de me dizer uma única palavra agradável”, protestou ele.
Não é fácil saber se, no Brasil, acusações de adultério num caso como esse seriam legalmente válidas. Afinal, os supostos amantes virtuais eram, na verdade, marido e mulher. Pode-se falar em traição quando tudo o que ocorreu foi um romance na Internet? O uso de pseudônimos basta para caracterizar a infidelidade, mesmo que por trás do “Príncipe” e da “Docinho” estejam duas pessoas legalmente casadas uma com a outra? Questões difíceis que a era da tecnologia nos traz.

Ivone Zeger é advogada, consultora jurídica em Direito de Família e Sucessão, autora dos livros “Herança: Perguntas e Respostas” e “Como a lei resolve questões de família” – da Mescla Editorial www.parasaberdireito.com.br